quarta-feira, 31 de julho de 2013

Idas e vindas, escolhas, dúvidas e bolinhos de carne moída, empadão goiano e quenga. Primeira parte.



Ontem à noite fiz bolinho de carne moída; uma coisinha simples que aprendi recentemente, nos tempos em que minha filha foi recebida, quando chegou a São Paulo no início do ano passado, para uma temporada na casa da minha prima, onde comeu esse bolinho feito pela minha tia R., até que eu tivesse uma casa para recebê-la, o que só aconteceu em março do mesmo ano, período que, segundo o meu olhar, coroou um longo processo de partidas e retornos e recomeços e buscas e tentativas, algumas que eu persisto em indagar, diante de mim mesmo, se fizeram, faziam ou fazem algum sentido.

Na época em que fui casado andei um pouco por aí e levei a prole junto. Minhas andanças começaram em 1993, por força de um convite de trabalho e motivado inicialmente apenas pela oportunidade de ascensão profissional. Apoiado pela então companheira "subi o São Francisco", com ela e o Diogo, como eu costumo dizer, numa metáfora errante, e cheguei em Goiás, onde passei 2 (dois) anos, na primeira etapa. De lá retornei a São Paulo, em 1995, onde na oportunidade permaneci aproximadamente 2 (dois) anos, quando a Lígia nasceu e, em 1998,  subi de novo o São Francisco, desta feita para desembarcar em Ribeirão Preto, onde fiquei até final de 2004, nessa oportunidade já motivados por viver em um contexto que nos permitisse a escola waldorf para o Diogo e em resposta a um bom convite profissional. O ano de 2005 foi marcado por um desastroso retorno a Goiás, totalmente pressionado pelo desemprego e ausência de oportunidades em Ribeirão, desastroso em todos os sentidos: contrariedade pessoal em voltar, casamento falindo, afastamento da escola waldorf e da antroposofia, impacto da escola convencional, empresa em crise. Desse tempo uma das poucas boas lembranças é o empadão goiano que aprendi a fazer com minha amiga N., advogada de Goiânia que atualmente vive em Porto Alegre, um verdadeiro manjar dos deuses do cerrado, e que um dia eu faço e ensino por aqui.   

Inaugurei 2006 em Botucatu para onde fomos em uma atitude arriscada, sem trabalho, em busca da viabilidade na continuidade da escola waldorf nas vidas dos nossos filhos, impactados negativamente pela tentativa de uma escola convencional nessa nossa segunda estada em Goiás. Em Botucatu estive até retornar a São Paulo, já separado definitivamente, em meados de 2010 e de onde não pretendo sair, embora os filhos ainda tenham lá permanecido até o final de 2011. De Botucatu tenho doces e amargas recordações, todas misturadas, como devem ser, imagino, as lembranças de todos os tempos, em qualquer lugar, de qualquer pessoa.

Eu conto essas idas e vindas tendo por base o núcleo familiar. Nesse período último em Botucatu, sem a transferência da família, eu  ainda trabalhei novamente em Ribeirão e por 2 longos anos na região de São José do Rio Preto, mais precisamente em uma cidadezinha chamada Orindiúva, na barreira do Rio Grande (lado São Paulo). Lá eles comem uma prato chamado "quenga", à base de milho e frango, uma espécie de angú que eu ainda vou ensinar e, em Rio Preto, como em São Paulo a gente encontra coxinha em qualquer bar, encontra-se bolinho de carne com massa de mandioca. Tenho muitas memórias de coisas que eu comi por essas minhas andanças, como por exemplo a melhor ambrosia que já provei na vida, digna de comer rezando, em uma fazenda do amigo de um amigo, A., na cidade de Piracanjuba, "estadão" de Goiás.

Os bolinhos eu fiz ontem para um simples jantar em casa do qual participou um amigo do meu filho Diogo, de Botucatu, recém formado tecnólogo em construção naval e que partiu, na madrugada de hoje, para Manaus, iniciando sua vida profissional, e a estória se repete na vida de todos nós, com a ida desse amigo para um local tão distante, deixando pais, irmãos e amigos, resultado de uma escolha. Fez um pit stop em casa ontem. Enquanto eu fiz o bolinho conversamos os 3 sobre as vantagens da ida dele para |Manaus, sobre oportunidades profissionais fora dos grandes centros, sobre a vida e tomamos caipirinha.

Aproximadamente 900 gramas de carne moída duas vezes, refogada com bastante cebola apenas, em óleo neutro, sem sal inicialmente, e salgado somente no final, para soltar um pouco de sua umidade que eu aproveito, no mesmo momento em que junto azeitonas verdes picadas. Uma vez refogada a carne acrescento, em fogo baixo, para essa quantidade, 2 colheres bem cheias de farinha de trigo e deixo cozinhar rapidamente, uns 5 a 7 minutos, resultando em algo parecido com recheio de pastel cujas carnes não ficam caindo do pastel, mas sim cremoso. Desligo e acrescento ovos e salsinha ambos bem picadinhos. Deixo esfriar. Boleio a carne em forma de croquetes grandes, passo por ovos batidos e salgados e por farinha de rosca, em um processo de empanamento, sendo que quase sempre prefiro a farinha de pão.

Frito rapidamente em óleo abundante, já que todos os ingredientes já estão cozidos. Na verdade esse bolinho é ideal para reaproveitar aquela carne moída que sobrou na geladeira. Minha filha pediu semana passada. Ela adora. Servi com salada de mandioquinha cozida e bastante salsinha picada e brócolis no vapor, arroz e feijão.

Tenho dúvidas sobre os acertos e erros das minhas escolhas mas situações como essa, em que um amigo se despede de São Paulo jantando conosco, um amigo feito em Botucatu, onde eu amarguei momentos pessoais muito difíceis, me fazem ao menos saber que valeu a pena ter ido, ter voltado, ter feito escolhas pouco seguras, pouco convencionais. Em cada uma das estações dessas viagens fiz amigos e a existência deles me sinaliza que a escolha não poderia ter sido outra. Meus filhos e seu processo de formação escolar também me trazem a mesma certeza pois a escola waldorf que foi o principal motivo de nossas idas e vindas ainda me fala como a única em que eu confio para uma formação realmente humana e integral de uma criança.

Ainda vou fazer novamente o empadão goiano e a quenga. 

Espero que nosso amigo I. tenha sucesso em sua nova jornada e também faça amigos, como eu fiz. 


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Torta da volta. De banana, sem banana.

Já escrevi sobre a torta de banana que é um clássico na minha casa e se tornou item indispensável na minha mesa quando algum dos meus filhos volta de algum lugar, sendo que essa tradição se iniciou quando eles voltavam de colônias de férias e eu preparava uma torta de chocolate com banana para esperá-los.

As tradições são coisas esquisitas, como são todas as coisas, dependendo de como se olha para elas. Se por um lado os hábitos e tradições podem inibir a espontâneidade, criatividade e capacidade para surpreender e surpreender-se, por outro elas transmitem conforto e segurança, sendo que penso que precisamos das duas coisas juntas: espontaneidade e segurança. Assim, mantenho as tradições, em várias aspectos, como linguagem e ferramenta de fixação das "boas práticas" correspondentes aos meus valores pessoais e, ao mesmo tempo, me reservo tempo, espaço e liberdade para sempre transformar, inclusive as próprias tradições, naquilo que é preciso, quando é preciso.

Quarta passada me pus no mercado para comprar os ingredientes para fazer a torta da volta, com o objetivo de esperar minha filha que retornou de férias. São 2 xícaras de chá de farinha de trigo, e a mesma quantidade de chocolate em pó, ou achocolatado para quem preferir, e de açúcar refinado. Com esses 3 ingredientes faço uma farofa acrescentando 120 gramas de manteiga, o que corresponde a mais ou menos 4 colheres de sopa bem cheias da manteiga em ponto de pomada, ou até gelada mesmo. Amassar com as pontas dos dedos até os 4 ingredientes resultarem em uma msitura semelhante a uma farofa úmida.

Em uma forma de aro, de mais ou menos 35 cm de diâmetro, forrada com papel manteiga, coloco metade da "farofa" e cubro com bananas maduras cortadas no sentido de seu comprimento em fatias finas. Como quarta-feira não achei banana madura substituí por pêssegos em calda. Colocada a camada de fruta cubro com a outra metade da farofa e, por cima, jogo uma mistura de 4 ovos batidos, 1 xícara de chá de leite e 2 colheres (rasas) de sopa de açúcar. Para terminar polvilho açúcar e canela por cima, levando nesse momento imediatamente ao forno, já pré-aquecido a mais ou menos 180 graus. Sempre levo ao forno a forma de aro sobre uma assadeira de pizza, pois se vazar a mistura de ovos não cai no chão do forno.

O pulo do gato dessa receita é a coçcão. Eu deixo por volta de 45 minutos, mas cada forno é um universo, ou até que eu, ao agitar um pouco a forma, veja que as bordas da torta estão firmes mas no meio ainda está um tanto crua. O que conquista nessa torta é o mesmo processo do petit gateau, ou seja, uma cocção rápida em fogo forte onde as extremidades da torta são completamente assadas e o meio não, mantendo a cremosidade da massa no centro. Eu vejo o ponto de cocção, então, sacudindo a torta que deverá estar firme nas bordas e ainda balançando no meio. O açúcar com canela que eu jogo imediatamente antes de levar a torta ao forno forma uma casquinha crocante bem gostosa, mas tem que ser assim: coloca o açúcar/canela sobre a torta, que também acabou de receber os ovos batidos, e põe imediatamente no forno.

Achamos minha filha e eu que com banana fica infinitamente melhor, mas os pêssegos em calda quebraram um galho nesses dias de inverno paulistanos, quando as bananas estão verdinhas e demoram a amadurecer. Creio que morangos ou abacaxi, naturais, devam ser boas pedidas também.

Se alguém que ler esse texto um dia fizer, me conta qual o resultado, por favor.

Dia de volta a São Paulo. Dia de garôa. Dia de Risoto paulistano.



Há 2 dias minha filha desembarcou de volta a São Paulo, depois de suas férias em Florianópolis. Dia tipicamente paulistano, com garôa fina e frio. Nós mesmos, naturais desta capital, estamos nos esquecendo que ela era chamada de "a terra da garôa", uma vez que cada vez menos essa chuvinha tem aparecido por aqui, sendo que na minha infância ela era muito mais frequente.

Gosto de celebrar as coisas que eu vivo, pois é meu jeito de não permitir que só a vida me leve o tempo inteiro, eu à deriva; que as circunstâncias me definam todas as vezes, sem que eu interfira, sem que eu decida, sem que eu ao menos consinta. Assim, gosto de honrar minha cidade, meu bairro, meus amigos, minha família, meu trabalho, minhas escolhas enfim, como a cidade em que nasci e moro São Paulo, e saibam que mesmo celebrando constantemente minha cidade, quando vivi fora daqui também procurei fazer o mesmo, ao menos vivendo o tanto que eu pude as realidades próprias desses lugares, seus hábitos, sua pessoas, sua geografia.

Além da já comentada "torta da volta", a torta de chocolate com banana que é uma tradição ter na mesa de minha casa quando meus filhos voltam de viagem, resolvi esta semana preparar, do jeito que eu imaginei, um prato que, na minha infância, eu conhecia como "risoto", mas hoje sei que seria um arroz de forno.

Todo legítimo morador da mooca carrega, alguns mais, outros menos, orgulho de seu bairro, justificado sem nenhuma dúvida, pois de fato é um oásis inserido nessa nossa metrópole doida e eu já perguntei, para confirmar, a vários amigos mooquenses, de origens familiares semelhantes à minha: muitas de nossas famílias tinham em seus hábitos alimentares o tal "risoto" que era feito especialmente com o molho de macarrão e pedaços de frango assado que sobravam do domingo. Na minha casa lembro-me, inclusive, da travessa oval que minha mãe servia o tal "risoto", com fatias de ovos cozidos enfeitando o prato e queijo parmesão polvilhado por cima.

Como não tinha molho pronto e sobras de frango, comprei um peito e cozinhei exatamente como faço caldo de frango, com cebola, cenoura, pimenta cambuci, louro e sal, pois eram os legumes que eu tinha. Quando eu compro as coisas espeialmente para fazer o caldo nunca falta o salsão e a mandioquinha, que para mim são os ingredientes que mais a ele dão sabor. À parte fiz um molho ao sugo que deixei reduzir bastante, tendo por base apenas cebola refogada em azeite de oliva, utilizando tomates pelados industrializados pois, ao contrário da cozinha dos meus pais, não posso me dar ao luxo de fazer e ter sempre congelado molho feito com tomates frescos, por uma questão óbvia de falta de tempo.

Cozido o frango eu o desfiei  grosseiramente pois na maioria das preparações que levam peito de frango desfiado prefiro que os pedaços sejam sentidos na boca, e acrescentei ao molho, assim como também cenoura ralada e ervilhas, mas penso que qualquer outro legume também poderia entrar. Como eu preparei na segunda à noite e já sabia que congelaria até a quarta, quando seria consumido, acrescentei antes de mistrurar o molho ao arroz, um pouco do caldo do frango (2 conchas cheias) para que ficasse bem úmido e não secasse em razão do processo de descongelamento. Depois de incorporados molho e arroz, que cozinhei um pouqinho menos do que o cosutume, uma vez que ainda iria ao forno, dispus em um refratário em camadas alteranadas com queijo prato. Finalizei com os ovos cozidos em fatias e bastante queijo parmesão.

O vôo da Lígia atrasou e acabamos chegando em casa já passava da meia noite e ainda garoava em São Paulo, quando pus o arroz no forno até que terminasse de descongelar e derretesse os queijos. Penso que fazer um molho bechamel simples, ou de queijo, e substituir o molho vermelho também deve ficar gostoso, talvez com cogumelos ou aspargos.

Demos, meus filhos e eu, as boas-vindas àquela fria madrugada paulistana elogiando o "risoto" também paulistano, em família, que de fato ficou bem bom e antecedeu à já comentada torta de chocolate com bananas mas, desta vez, sem bananas.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Fiandeiro e tecelão.





Fios e  urdidura,
Fios e agulhas.
Não as mulheres fiandeiras e tecelãs de Rumpelstiltskim dos Irmãos Grimm, das Parcas Romanas ou da Grega Penélope, mas um tecelão que tenta aprender a, com o fio, tecer um castelo em tapete.
Feminina, a imagem mitológica da tecelagem é espera.
Fio e agulha. Do fio um castelo em tapete.
Eu espero e enquanto espero eu teço e enquanto eu teço, aprendo e quando aprendo promovo e crio minha própria realidade.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Gente-gengibre, multifacetada. Carne e conserva.



Faço algumas coisas com gengibre. Gosto muito em razão do sabor picante em si, mas principalmente por essa coisa multifacetada, versátil, flexível que essa raíz tem; todos os recursos que ele traz. O gengibre passeia pela minha cozinha, do pote de sal até o de açúcar, do fogão ao forno e geladeira, assumindo alguns papéis, a maioria de apoio, modo tempero, mas por vezes quase principal, como quando em conserva, até porque na cozinha como na vida essas funções realmente se confundem: da minha vida eu sou o protagonista, quando sou o iluminador e, certamente, da vida do outro sou coadjuvante, quando é dele essa função, mas na mesma cena, com as mesmas falas. Sou o núcleo e a periferia ao mesmo tempo, dependendo do olhar.

Nos meus tempos de Botucatu cuidei por 6 (seis) meses de uma pequena pousada e servia refeições a quilo também, sendo que a maioria dos clientes eram alunos da Escola Waldorf Aitiara. Certa vez tinha uns bifes de patinho na geladeira e, inspirado pela carne desfiada  com cebola da cozinha chinesa, decidi fazer iscas pequenas e bem finas de carne, quase como quem pica na faca a carne para empanadas argentinas. Em seguida selo (do verbo selar) a carne em uma frigideira alta e acrescento, no final desse rápido processo, um pouquinho de sal, pouco mesmo, para que ela desidrate e solte o seu sumo. Esse procedimento via de regra é evitado pois perdendo o sumo a carne perde também a suculência e endurece, ou pode endurecer. Como as tiras que eu corto são realmente muito finas, não corro esse risco, mas quem não se importar em não ter o sumo da carne como base do molho, não coloque sal após a selagem.

Adicionado o sal e criado o sumo, acrescento as cebolas cortadas ao meio e fatiadas bem finas também e deixo por 2 minutos até que elas murchem simplesmente. Em seguida adiciono o astro desse meu texto, o gengibre descascado e ralado, em ralo fino ( aquele geralmente utilizado para noz moscada) e molho shoyu. Deixo mais 5 minutos apenas para reduzir um pouco o molho que somente nesse tempo, em razão do gengibre, já engrossa ligeiramente. O resultado é uma carne levemente picante e de sabor bem acentuado, em razão do sumo aproveitado no início do processo. Está pronta a carne e imagino que umas raspinhas de limão siciliano devam ir bem nessa preparação. É uma boa opção com arroz e feijão e, ontem, eu fiz um purê de batatas, com creme de leite, manteiga e sal, que combinou legal com a dupla bem brasileira e a carne com gengibre.

Outra hora eu falo com detalhes como eu faço a conserva de gengibre que imita aquela servida com sushi, mas que basicamente é a raiz fatiada bem fininha no sentido das suas fibras e cozida lentamente em uma calda clara de caramelo de açúcar com uma pitada de sal e um pouco de vinagre de arroz, mais nada. Você pode também cozinhar o gengibre apenas em água, preparar a calda separamente e acrescentar o gengibre. Também nas duas opções preparar o caramelo é opcional, sendo que é possível apenas misturar açúcar, sal, água e vinagre. Em qualquer dos casos eu gosto de esperar no mínimo 2 dias de imersão do gengibre na calda para servir.


 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Ikebana. Faz tempo que eu não faço



Nem sei quem ainda se lembra que eu sou professor de ikebana. Eu obviamente nunca me esqueço, especialmente porque conservo da época em que ensinei essa milenar técnica artística japonesa que, basicamente, busca dispor flores e galhos naturais em vasos, de forma harmônica e esteticamente equilibrada, o que de mais valioso recebi: amigos. João Carlos, Aparecida, Amélia, Andréa e Solange, esta última de Ribeirão Preto, apenas para citar alguns e os que aqui não foram citados por favor me perdoem.

Um dia eu conto como cheguei à prática de ikebana, mas para quem me conhece a menos tempo, pelo menos quero registrar que foi a importância que a Igreja Messiânica Mundial do Brasil, a qual fui filiado 20 (vinte)anos, atribui à arte como sublime atividade humana e linguagem para busca de evolução espiritual, que me fez superar meus próprios limites e praticar ikebana, chegando a ser titulado professor. Certamente através das flores cresci um pouco na minha capacidade de olhar e compreender o ser humano, o outro e a mim mesmo, uma vez que a ikebana é uma forma de buscar e encontrar equilíbrio, paz e serenidade interior.

Em outras oportunidades ainda volto a falar sobre a ikebana como um "caminho de auto-conhecimento", e que é sua face mais nobre e sem dúvida a mais importante, mas hoje apenas quero comentar a beleza e alguns aspectos da composição dessa foto que eu publiquei e que, obviamente, não é de um trabalho meu: é uma composição que eu chamaria de "livre", uma vez que não segue uma estrutura pré-determinada de colocação, tamanho e posição das flores e galhos, em que podemos encontrar um agrupamento de galhos finos que não consegui identificar a espécie, mas que servem como "linhas", ou sen, em japonês, e dão altura, força e profundidade ao arranjo, sendo importante que tenha folhas, como é o caso, para que transmita a sensação de vida e vigor. As flores dispostas em forma de maço, ou massu, em japonês, conferem muito volume à composição e são especialmente suas cores, vermelhos e amarelos, que emprestam força ao arranjo, sendo dispostas com pequenas diferenças de altura entre si, o que fixa o dinamismo que o autor provavelmente quiz mostrar, além da diversidade elegante que as diferentes formas e, sobretudo, texturas das flores deixa bem claro.

Notem que o apanhado de galhos, em conjunto, deve ter aproximadamente o tamanho de 3 (três) vezes a altura do vaso acrescida do seu diâmetro, tamanho que a boa técnica manda realmente obedecer, e que há uma diferença de alturas bastante expressiva entre os dois principais elementos do arranjo, quais sejam o "conjunto de linhas" e o "maço de flores", recurso arrojado que dá movimento à composição, ao mesmo tempo em que há um equilíbrio de força entre esses mesmo elementos: linhas e maço de flores estão harmoniosamente em igual grau de força na composição.

Por fim, o vaso é bonito também, de forma simples, redonda, para valorizar o material do qual foi feito, me parecendo uma cestaria, ou algo que a imita.

Aprendi com a ikebana a, diante da vida, reconhecer os momentos em que é preciso silenciar, observar e, com isso, respeitar, como quando admiramos por exemplo o material antes de montar a composição, para encontrar nele os melhores e mais bonitos angulos, movimentos e características , aceitando-o como é e reconhecendo que mesmo em um galho envelhecido e retorcido certamente podemos encontrar alguma beleza, ainda que seja apenas aquela que espelha a ação do tempo.

Comida de república. Jantar de ontem.

As coisas na cozinha, segundo meu entendimento, funcionam assim: quem realmente se interessa por culinária, com a mesma dedicação e cuidado que prepara um risoto milanês, por exemplo, também faz um simples feijãozinho.A cozinha exige atenção e capricho, acima de tudo, para que o resultado final seja especial, independentemente do prato que estiver sendo feito, e esse capricho se revela pela marca pessoal que o cozinheiro imprime a tudo o que faz; é o "toque do chef" que hoje é bastante festejado, ou seja, o que faz a comida ser boa é o que o cozinheiro acrescenta de si mesmo (o melhor de si, na verdade), com o máximo de presença e cuidado desde a escolha, compra  combinação dos ingredientes até a apresentação final do prato, passando pelo o processo, suas técnicas e etapas.

 Minha filha mais nova está passando férias em Florianópolis e, assim que ela foi, meu filho comentou: - "vamos passar 1 mês em clima de república, aqui em casa, já que vamos ficar sózinhos, né pai?". E de fato estamos desde o início de julho em clima de república já que, com exceção de um almoço que preparei para um amigo no domingo retrasado, quase não tenho cozinhado. Ontem eu queria celebrar esse nosso tempo de república e fiz, junto com meu filho, um prato que ele me ensinou e que foi por ele e seus amigos adaptado de uma preparação simples que eu chamo de "careca de padre", no período em que ele morou em Pelotas e cursou a Universidade Federal de lá, e que também tem a mesma mecânica do "escondidinho", ou seja, batata cozida/mandioca e carne em camadas, geralmente finalizada com molho de tomate, adaptação essa que consistiu em substituir a carne moída por linguiça calabresa.

Segundo o Diogo, no sul eles utilizavam uma linguiça caseira largamente encontrada em Pelotas, sêca, chamada pelos gaúchos de "salsichão". A nossa "república", nome que eu acabei de dar ao prato de ontem, ficou deliciosa e foi acompanhada de um arroz com pimenta cambuci, também conhecida como "chapéu de bispo." A batata que eu usei foi a comum, aquela boa para fritura, de casca bem clara e fina, embora o ideal nesse caso seja utilizar uma sêca, como a asterix, mas no mercado não tinha. Como já disse, ao invés da carne moída da "careca de padre" (que no escondidindo clássico é carne seca), usamos linguiça calabresa defumada industrializada, já que não sei onde encontrar essa chamada de "salsichão" pelos gaúchos, frita em sua própria gordura e acebolada, temperada com sal, orégano e pimenta calabresa, só um pouquinho. A batata cozida,amassada e temperada ainda quente também mereceu um salzinho e um fio de azeite de oliva, mas somente isso pois a calabresa e o molho já foram bem temperados, este último comprado pronto, mas de boa qualidade e brevemente fervido juntamente com uma cebola refogada também em azeite de oliva. Entre as camadas de batata e linguiça colocamos queijo mozzarella, desses comuns mesmo, ralado no ralo grosso.

Nosso jantar ficou bem bacana e o fato simples de o arroz estar levemente picante fez uma grande diferença, assim como o queijo bem derretido no final. Sentimo-nos, eu e meu filho, especiais, em um dia especial, e é isso realmente que a cozinha faz: quando nos sentamos para comer e o fazemos com prazer e ceriônia, nos lembramos que somos merecedores das benésses da vida, destinatários do melhor que o mundo tem a dar, filhos únicos do Pai e, desse jeito, a refeição é uma celebração das pessoas pelas pessoas, do homem por ele mesmo. Durante a preparação eu me encarreguei da república e o Diogo do arroz. Enquanto estávamos cozinhando me lembrava do menino que ainda não tinha 1 aninho e eu buscava na escolinha no final da tarde, na Rua Itaqueri, e que vinha no colo da pajem vestido de jaquetinha preta com lã de carneiro na gola, que sorria quando me via. Hoje estamos juntos na cozinha, e na vida desde sempre e até sempre.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O tricot e a capacidade para o "fazer". Mais um pouco do meu olhar sobre pedagogia waldorf (e que me perdoem os professores e catedráticos pelas faltas que cometo).

Desde que meus filhos ainda nos primeiros anos de suas vidas escolares fizeram trabalhos de tricô e crochê eu queria tentar fazer, até porque pensava ser incrível como crianças aprendiam a executar um trabalho que me parecia tão complicado. Como a mãe deles, à época, era a encarregada de no ambiente de nossa casa praticar esse tipo de atividade, por aptidões naturais, eu deixei de lado meu interesse.

Quando retornei a São Paulo não é novidade para quem me conhece que me reaproximei de amigos e primos que foram de fato a tábua que me sustentou quando eu naufragava. Dessas pessoas uma prima foi ,e é, muito especial, até porque acolheu minha filha nos seus primeiros meses aqui, até que eu tivesse a estrutura material necessária para recebê-la, ou seja, até que eu tivesse minimamente uma casa para morar. Esse minha prima é uma exímia e talentosa artesã, praticando várias técnicas e linguagens do artesanato, inclusive o tricô que finalmente aprendi, ano passado a fazer com ela. No último inverno produzi 5 cachecóis, todos de "ponto tricô" que, até 1 semana atrás, era o único que eu sabia fazer. Meus filhos chamam esse ponto, como em todas as escolas waldorf, de "ponto novo" pois é o primeiro que eles executam.

Passado 1 an continuo achando o tricô complicado. Eu faço quase que mecanicamente e, às vezes, olho para minhas mãos e não consigo formar uma imagem dos laços que dou para fazer o ponto. Se alguém me pedir para desenhar os movimentos das agulhas para que o ponto seja executado, certamente terei muita dificuldade em fazê-lo. Eu não fui um aluno waldorf que aprende pelo "fazer". Fui um aluno convencional a quem foi demandado apenas que abstraísse o conhecimento a partir dos conceitos teóricos sobre o fato e não da vivência prática e real do objeto da aprendizagem e, talvez por isso, desde criança tenha dificuldade com o "fazer" específico de tarefas, sobretudo aquelas que exigem raciocínio espacial. Se alguém me perguntar qual agulha passa quando, por cima ou por baixo, eu terei que pensar bastante para responder, já que faço o ponto tricot mecânicamente. Sabedor disso estava ansioso para aprender outro ponto e, de alguma forma, dar continuidade a esse "processo de aprendizagem" que eu tardiamente iniciei, como oportunidade para tentar melhorar esse minha deficiência. Tentei o ponto "meia (ponto "velho" para os meus filhos), mas não consegui. Neste último final de semana vi na tv uma pessoa fazendo um ponto chamado "fantasia" que de diferente apenas repete 3 vezes a "laçada" que se dá no ponto tricô. Achei tão fácil que tentei e consegui. Estou produzindo mais um cachecol para minha filha, vermelho, que vou fotografar e postar aqui, embora ainda esteja no meio da execução.

 Os trabalhos manuais além de conferirem a quem faz, seja criança ou adulto, uma certeza que é a pessoa é capaz de realizar, é competente para o "fazer", resgatam algo que se perdeu no tempo relativamente ao trabalho concreto do ser humano, que ao contrário do passado hoje depende quase que exclusivamente da sua capacidade de pensamento (abstração), qual seja essa "capacidade" de ação concreta, de transformar efetivamente o mundo através da manipulação das matérias primas (lembremo-nos dos sapateiros, alfaiates, padeiros que eram muito mais numerosos no passado e foram na atualidade substituídos por máquinas e processos), e ainda permitem que se viva um ciclo completo do "fazer" através da experiência do início, meio e fim de um trabalho. Dizem, ainda, que os trabalhos manuais colaboram na manutenção da sanidade, da saúde "psico-alguma-coisa" dos idosos. Como também já estou ficando velho (51), acho que as manualidades só me trazem benefícios.

Por fim, realmente para mim é um processo terapêutico, no sentido de ser profilático, pois me permite "limpar" um pouco que seja os ruídos que invadem minha alma nesse dia-a-dia maluco da vida que vivemos. Quando tomo nas mãos as lãs, linhas e agulhas e concentro meu olhar e movimentos nelas é como se eu, por alguns momentos, voltasse o olhar para meu próprio interior e fosse retirando os miasmas que as interferências externas de toda ordem vão metendo na minha alma, a fórceps, ainda que faça isso com a tv ligada. Quando eu morava em Ribeirão achava graça quando buscava meu filho na escola e via os meninos e meninas fazendo tricô na praça Rudolf Steneir, sentados em banquinhos de concreto, ou de madeira por entre a vegetação que abraça a Escola Aitiara, em Botucatu,quando era minha filha que eu procurava no final do dia letivo.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Finalmente as fotos das primeiras peças de papel marchê, a aceleração de processos de secagem das peças e um paralelo com uma reflexão sobre a maturação das coisas e um brevíssimo comentário sobre o significado da palavra "prontidão" no contexto da pedagogia waldorf.

Sábado voltei a trabalhar com o papel marchê, na verdade com a intenção de acelerar o processo de secagem das peças que eu havia moldado na quinta à noite. Eu mesmo me acho uma pessoa estranha. Relativamente a algumas coisas me curvo diante da necessidade de esperar que o tempo faça seu trabalho, juntamente com as entranhas do ser e sua vida, para tornar maduras as criaturas e suas relações, mas em relação a outras eu quero acelerar os processos, fazer com que tudo esteja pronto antes do tempo normal.

Essa palavra, "prontidão", eu aprendi quando meu filho mais velho estava em processo de avaliação no final do jardim de infância, para ingressar, ou não no grau, no 1º ano de sua vida escolar, significa "estar pronto". Em uma escola waldorf, especificamente nesse momento em que a criança se aproxima do final do seu 1º (primeiro) setênio de vida, a jardineira, ou seja, a professora de jardim da infância, o observa para verificar se ela term ou não prontidão para iniciar sua vida escolar e essa avaliação faz todo sentido para mim: de que adianta ensinar a criança a ler, escrever, fazer contas, decorar coisas se ela não se encontra madura o suficiente para que esse saber viva naturalmente dentro dela e seja transformado em contúdo efetivo, na hora certa?

De fato entendo que não é preciso fazer uma criança acumular conhecimentos conceituais muito cedo. Basta observar o próprio corpo físico dos pequenos para constatar que, assim como na natureza em geral, os primeiros anos exigem que as forças que encontram-se trabalhando para o desenvolvimento daquela individualidade estejam concentradas nesse invólucro físico e, além disso, também sinto ser absolutamente natural a máxima repetida na pedagogia waldorf que no primeiro setênio precisamos criar condições para que a criança sinta que "o mundo é bom", de forma que ela adquira confiança nesse mundo, na vida, nas pessoas, nas relações e, para tanto, um intenso trabalho intelectual pode expor a criança a uma solidão e uma carga de responsabilidade e individualismo desnecessária e, porque não dizer, prejudicial. Acredito de fato que a prontidão precisa estar bastante clara para uma criança iniciar seu processo de alfabetização e de recepção de informações e conteúdos, seja qual for o "método pedagógico" empregado.

Fui capaz de aguardar que cada um dos meus filhos estivessem prontos para irem para o primeiro ano, e nenhum dos dois foi alfabetizado antes dos 7 anos, sendo que, na verdade, o processo de alfabetização deles só foi encerrado lá pelo 9º ano de vida deles e, ao contrário do que muitos imaginam, hoje com 21 e 16 anos, ambos lêem e escrevem muito bem, e não apresentam qualquer déficit de conteúdo ou aprendizado, mas não sou capaz de aguardar a secagem de peças que modelo ou pinto, tendo o hábito de acelerar pintura com secador de cabelos e, nesse caso de modelagem com papel marchet, queimando as peças no forno elétrico caseiro. Sábado coloquei as 3 peças que havia moldado no forno, saí para comprar pão e, quando cheguei a faxineira havia desligado o forno quando percebeu a fumaça. Perdi as peças. De fato não tenho conhecimento, e se alguém souber, por favor me fale, se a técnica realmente prevê a secagem, ou "queima" das peças com a utilização de calor ou se devem secar ao natural. O fato é que perdi 3 peças torradas no forno. Nesse post as fotos que eu havia prometido, da fruteira e do suporte para velas.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Papel marchê, fusion de vidro, a morte, o mosaico. O que há de comum nisso tudo? O meu processo de preparação da massa e da cola.

Ainda falando sobre minhas experiências com o papel marchê, as duas primeiras peças, quais sejam a fruteira e o suporte para lamparinas coloridas, cujas fotos eu pedi ao meu filho para tirar e me mandar, o que eu espero ele faça hoje, eu fiz com jornal e cola branca. Ontem eu continuei, mas preparei em casa uma cola de farinha que, se alguém quiser eu passo a receita in box. Colocado o papel picado em imersão na água é preciso aguardar 24 h para que ele encharque. Feito isso o papel deve ser batido com água no liquidificador, amassado com as mãos para que o excesso de água seja retirado e depois misturado com a cola.

Fiquei pensando que no papel marchê, assim como o mosaico e o fusion, este último em alguns casos, o material primordial utilizado deve ser destruído para depois ser usado como princípio de uma nova construção. Papéis, azulejos, porcelanas, cerâmicas, vidros, são despedaçados pelas mãos do artesão, destruindo sua forma original, mão essas que, depois, manuseiam os destroços que se transformam em matéria primordial de uma nova forma, um novo gesto. O papel vira boneco, fruteira e gamela. A xícara e o azulejo viram flores e imagens de santos em painéis feitos de cacos colados e as garrafas se transformam em vasos,com nova transparência e novas cores.

A morte na vida humana, aqui considerada o fim, a ruptura dos vínculos, hábitos, práticas, de crenças e convicções, de encontros e objetivos, também é uma oportunidade para transformar, criar uma nova vida, mas não a partir do nada, mas sim daquilo que a alma humana guardou das experiências findas. O artesão não molda um vaso sem o vidro quebrado, um boneco sem o papel esmagado, um São Matheus sem os azulejos feitos em cacos.

A memória faz o homem iniciar um novo trabalho a partir das imagens e dos saberes do antigo, um amor novo carregando as vivências dos que passaramu, um hábito mais saudável com o aprendizado guardado nas lembranças dos anteriores. A memória é um instrumento da consciência humana (e houve tempo no processo evolutivo humano em que ele não tinha memória) e serve para que esse homem, indivíduo, dentre outras funções, esteja sempre presente em si mesmo e em suas ações. Assim, não há futuro benfazejo que não honre o passado, se bem consciente o homem de si mesmo e suas vivências crísticas.

Eu me curvo diante do papel picado e esmagado, diante do azulejo e da xícara quebrados, como me curvo diante do meu próprio passado também feito em cacos e que me permite construir um futuro amoroso. Há quem no processo de picar papel, quebrar azulejos, extirpar vínculos e interromper práticas o faça sem nenhuma dor, sendo que outros choram. Há os fazem até com prazer e muitos só o fazem com o único objetivo de, cansados do jornal e da xícara velha, que não serve mais, encontrar uma nova forma de ser servido por um novo trabalho, um mosaico, uma gamela, sem curvar-se na hora de esmagar o papel ou quebrar a xícara diante deles que se sacrificam.

O ceramista japonês agradece o tempo inteiro o barro utilizado para moldar o chauam que conterá no futuro o chá cerimonial, assim como os praticantes o próprio ceramista. A memória não nos permite, de fato, esquecer completamente as folhas de jornais destruídas ou as xícaras quebradas. Tanto melhor se soubermos bem disso.

Ontem fiz cola de farinha para preparar a massa que utilizei para moldar as peças que hoje estão secando. Me pareceu que a massa ficou mais homogênea, mais lisa do que a preparada com cola branca e, ao que tudo indica, o endurecimento da peça terá o mesmo grau das preparadas com massa de cola branca. A cola preparada em casa barateia bastante a peça e é preparada com ingredientes orgânicos (farinha de trigo, água e vinagre e não tem embalagem plástica para descartar). Quando as peças que eu fiz ontem secarem totalmente eu confirmo e divulgo minha impressão de que o resultado é tão bom quanto as feitas com cola branca.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Fruteira de Papel Marchê

Minha cultura artística não era grande coisa quando mais novo, e certamente ainda não é se comparada às de outras pessoas. Agora fiquei velho e pude aprender algumas coisas. Quem me apresentou à muitas formas artísticas, como o papel marchê, foi a Cristiane, mãe dos meus filhos (acho mais simpático do que ex-mulher) que, de tão interessada no assunto "artes" estudou educação artística.

Sinceramente não me lembro direito, mas penso que aos 20 (vinte) anos mal sabia o que era papel marchê, do francês papier mâché, que significa "papel esmagado", provavelmente tendo à época apenas uma informação conceitual qualquer aprendida para fazer alguma prova de educação artística no ginário. Foi ela assim, nos idos de 1990, hospedados em um hotel em Ubatuba, litoral norte de São Paulo, que me apresentou as primeiras peças que conscientemente me lembro ter visto feitas a partir dessa técnica, uns tucanos coloridos, umas "falsas gamelas", e bonecos, muitos bonecos, além de vários itens utilitários. O Hotel imagino que ainda exista, mas não me lembro o nome, ficava, ou fica suponho, na praia do Lázaro e lembro-me de ter a melhor cozinha de peixes e frutos do mar da região, assim reconhecida pelo "guia quatro rodas" e ostentava uma arquitetura que lembrava um "forte militar" mas com um agradável páteo interno ajardinado, ao estilo espanhol, onde ficavam os tucanos de papel marchê no meio das plantas.

Achei incrível como realmente as peças eram extremamente fortes e pensei que (àquelas alturas já tinha me informado um pouco mais sobre o assunto)  não era à toa que a técnica havia sido usada, na China salvo engano, para a confecção de capacetes militares, especialmente considerando tratar-se basicamente de papel e cola. Mais tarde vi meus filhos, mais precisamente meu filho mais velho, confeccionar na escola Aitiara ou João Guimarães Rosa, não sei direito, uma máscara de papel marchê moldada em uma bexiga, um balão de festa, e depois pintada, que foi utilizada em algum teatro dos muitos que eles, Diogo e Lígia, fizeram ao longo de suas vidas escolares nas escolas waldorf por onde passaram.

Passei muito tempo me julgando incapaz, habilidosamente falando, de fazer algumas coisas, especialmente aquelas artísticas que envolvem raciocínio espacial e começei a perceber que não era tão incapaz assim quando iniciei a prática de ikebana, mas isso é para outro post, mas esse julgamento persistiu, ou persiste até hoje, penso que muito pelo meu convívio com uma pessoa de extrema habilidade com as coisas "plástico-pictóricas" e bom gosto, esteticamente falando.

Sempre olhava objetos de papel marchê e tinha mêdo de fazer. De um tempo para cá assinei a net e estou viciado em um canal chamado "bem simples" onde são veiculados programas de culinária e artesanato. Há algumas semanas vi primeiro uma artesã argentina fazendo uma peça de papel marchet tendo por base uma dessas "bandejas de maçã" (aquelas roxas onde as maçãs são postas e depois acondicionadas em caixas), revestida com uma "coisa" que ela dizia ser encontrada em loja de artesanato, um revestimento, algo que dá textura e, mais agora, há uns 10 dias, vi novamente essa mesma artesã fazer umas esferas decorativas também de papel marchê, a partir de bolas de isopor, tentando chegar a uma imagem de porcelana chinesa, ou inspirada nela, e fiquei com vontade de fazer.

Munido de coragem peguei uma receita na internet , comprei jornal, piquei, botei de molho em um balde e sábado passado, finalmente, fiz a massa e me pus a modelar uma peça que imaginei poderia ser uma fruteira, mas antes fui à feira de sábado e comprei maçãs que eu não queria, só para pedir as tais "bandejas" para a feirante. Como tinha visto pela TV sabia mais ou menos o jeito da massa e juntei com a informação da Lígia, minha filha, que o jornal deveria ser batido no liquidificador. Pois bem, bati o jornal, peneirei, esmaguei para sair toda a água, juntei com cola branca, o que resultou em uma massa homogênea, semelhante a uma massa de modelar.

Ao final me surpreendi com o resultado, não da fruteira em si, que acabou não tenho nada a ver com a bandeja de maçãs utilizada como base, pois remodelei totalmente a forma inicial, mas especialmente com uma caixa de ovos que eu transformei em suporte para lamparinas coloridas. Ficou bem legal. Amanhã eu posto as fotos! Pretendo fazer agora, de papel marchê, uma base para 4 pequenos vasinhos de metal que eu tenho sobre uma mesa, alguns pratinhos  para vaso e um revisteiro. Vamos ver o que sai.

Mais uma tentativa

Pretendo aqui falar sobre minhas incursões em vários trabalhos que realizo, na verdade para tentar entender um pouco mais como as coisas acontecem em mim, interesses e práticas aparentemente desconexas e sem vinculação entre si , como por exemplo,umbanda e tricôt; antroposofia, prática pedagógica e cozinha; cores, tintas e encontros e desencontros de amor e amizade; colar caquinhos (mosaicos)e educação de filhos; formas, moldes, música e cidadania; papel, cola e história; flores, galhos e a humanidade em todos nós; linhas, agulhas e o tempo. Conheci uma senhora em Ribeirão Preto, chamada Dona Grete, ex-professora waldorf de manualidades a quem foi perguntado, um dia, porque ela se tornou antropósofa, professora, artista, e ela respondeu: para não enlouquecer. Acho que estou com ela e também preciso verter meu olhar sobre o espírito e a arte, sobre o ser humano e seu processo de evolução, o que, no final, me parece que é tudo uma coisa só, também para não enlouquecer. Ainda em Ribeirão Preto, um certo período da minha vida participava, todos as manhãs de domingo, quando meus filhos eram pequenos, de um momento de encontro entre algumas famílias quando contávamos uma estória para as crianças. Chamávamos de "cultinho" e um dia eu explico o motivo pelo qual acreditamos que há uma relação entre um conto de fadas e a prática religiosa para crianças, ou em como se planta a semente da devoção no coração delas. Eu mesmo cheguei a contar algumas estórias, como a de São Nicolau, mas o que eu quero dizer é que, certa feita, uma amiga, professora, contou uma estória em que uma princesa, expropriada de seus pais amorosos e seu reino, capturada por malfeitores, quando deles se libertou e no caminho de volta à casa, que durou muito (assim como o de Aquiles rumo de volta à Grécia), foi várias vezes surpreendida pela vida que a colocava em situações tais em que era necessário aprender coisas diversas entre si, e nessa fase ela não entendia o motivo, tendo tornado-se agricultora, padeira, oleira e sapateira, dentre outros ofícios. No final ela volta e reina em seu país e, como regente, para que pudesse bem compreender as dores do seu povo, ela finalmente entendeu motivo pelo qual a vida lhe ensinou tantas coisas diferentes. Penso que eu também na tarefa de reger meu reino, que no final das contas nada mais é do que o abismo escuro da minha individualidade e sua alma solitária, como todas as almas o são, acabo de alguma maneira usando as coisas que aprendo e faço.