quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Batateiro com cara vermelha e barquinhos de papel em dias de chuva.



Sábado cedo: parada na banca do batateiro para olhar suas bochechas vermelhas e um pedido: 2 kg de batata boa para inhoque, bem sequinha.

Domingo cedo: Num canto da mesa a bacia com batata cozida amassada, farinha de trigo, sal, um pouquinho de manteiga e gema de ovo. No centro a cobrinha de massa que vai se transformando em inhoquinhos cortados com uma faca cujas costas, logo depois, os empurra para o outro canto da mesa, coberto com uma fina camadinha de farinha para que terminem de secar. As pontinhas das pecinhas de massa desapareciam e os inhoques ficavam retangulares, mas com as pontas redondinhas.


Segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo: Saudade dos dias de chuva na rua Padre Adelino, agachado na porta da venda do meu Avô, fazendo, empurrando e vendo seguirem pelo meu mar de menino barquinhos de papel, enquanto minha Avó na cozinha modelava do jeito acima os inhoques, e o molho de tomates borbulhava na espiriteira para ser testado solenemente pelo meu Avô quando devorava um pedaço de pão do Carillo nele mergulhado.

Onde terão ido parar os meus barquinhos?

Receita:
1 kg de batata asterix cozida e amassada
100 g de farinha de trigo (aproximadamente)
1 colher (rasa) de sopa de manteira
1 ovo (uso somente a gema)
sal a gosto

Processo: a batata deve ser amassada quente, mas utilizada somente depois de fria. A massa, com essa proporção de 10 para 1 (batata = farinha), fica bem úmida e, por isso, é necessário acrescentar mais farinha (a olho) no momento e para viabilizar a modelagem.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Para noites frias um (novo) mingau de aveia transformado por convite e sedução. Cozinha e divã.


Para as noite frias, mingau de aveia é uma boa opção. Na verdade, até uns 10 anos atrás nunca havia comido mingau de aveia, que é uma preparação geralmente destinada às crianças. Minha mãe não fazia mingau e ao invés dele nos alimentava, a mim e a meu irmão, quando pequenos, com polenta. Fui apresentado ao mingau  há alguns anos, quando cozinhei como voluntário algumas vezes para grupos de jovens que preparavam-se para tornarem-se monitores de colônias de férias para crianças e, depois, para crianças da própria colônia. Nessas colônias já era uma tradição servir mingau de aveia no café-da-manhã, em geral acompanhado de frutas frescas picadas (da estação), cujo único segredo da preparação é deixar de véspera de molho no leite os flocos (grossos) de aveia, para na manhã seguinte cozinhar em fogo brando até que engrosse, e depois acrescentar pouco açúcar ou mel, ou ainda somente as frutas.

Domingo passado, dia dos pais, ganhei dos meus filhos um livro chamado "Meu Primeiro Jantar Vegetariano", de uma autora de nome Alice Hart (acho que é isso), brasileira moradora de Londres. A primeira receita do livro, na parte de cafés-da-manhã e brunchs, é um mingau de aveia incrementado, cujo processo de preparação é o mesmo que eu descrevi acima, mas ela inclui tâmaras secas, lascas de amêndoas torradas e xarope de maple (bordo) ou mel. Como nunca experimentei esse xarope de bordo, ontem à noite optei pelo mel de abelha de flor de laranjeira e substituí as tâmaras por damascos que eu hidratei e as amêndoas por lascas torradas de castanha-do-pará que eu mesmo preparei.

O resultado foi muito bom, embora ao hidratar os damascos eu tenha aberto mão de um tanto de sabor (que acabou ficando na água) e da textura mais firme que a fruta possui antes de hidratar. Não sei se foi uma boa ideia. Da próxima vez ou procuro as tâmaras ou uso o próprio damasco ou qualquer outra fruta, mas sem hidratar, para preservar esse contraste de texturas no mingau, uma vez que a aveia, depois do molho de véspera, fica muito macia.

De qualquer maneira foi uma inovação no mingau que meus filhos e eu estávamos acostumados a ter em nossa mesa. Fico espantado comigo mesmo, com minha pouca iniciativa de buscar outras formas, outras linguagens, outros olhares, outros ingredientes, outros processos, em relação aqueles que em minhas zonas de conforto estou habituado, especificamente quando o assunto sou eu mesmo. Penso que seu eu fosse mais livre ou corajoso não precisaria abrir um livro e constatar que, para quem fez por anos mingau com frutas frescas, seria possível acrescentar as secas e qualquer castanha. Mas sou assim mesmo: evito riscos, sou medroso às vezes, em geral opto pelo conhecido quando o objeto explorado se confunde com minha alma desprotegida.

Não esperava que meu livro de receitas me ensinasse que na vida é preciso "sair da caixinha", fazer as coisas de forma diferente, amar a vida, a si mesmo e as pessoas cada dia de maneira nova, renovada, diferente, para que continuemos a aprender, a evoluir, a crescer. Abandonar o medo e arriscar é um desafio que para mim é bastante difícil. Um livro de receitas ou um manual de psicanálise?

Receita
1 litro de leite
5 colheres de sopa (bem cheias) de aveia
50 g de castanha-do-pará
70 g de damascos secos
mel o quanto baste

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Sopa creme de abóbora japonesa, cebola, alho e a atividade meditativa. Coisas que aprendi por aí.


Estava um dia quando administrei a Pousada Arco-Íris, na Estância Demétria, em Botucatu, servindo um jantar para um grupo de pessoas que fazia um curso chamado "antropomusica" e que, se é possível simplificar, reunia pessoas interessadas nesses dois temas, música e antroposofia e, em tese, praticante de ambas, que consistia, diariamente, em duas sopas, uma salada fresca, alguns patês e pães integrais que eu mesmo fazia, quando um cara chegou e me perguntou se as sopas tinham alho e cebola, pois tais ingredientes atrapalhavam a atividade meditativa, ao que respondi que sim, decepcionando o meu então cliente.  

Depois fui pesquisar e vi que, segundo os yogues, de fato o alho e a cebola enraizam mais firmemente a consciência no corpo físico e há quem diga que sensibilizam o sistema nervoso e, por isso, realmente devem ser evitados por quem vai meditar. Os adeptos do Hare Krishna também não consomem alho e cebola pelo mesmo motivo. Assim, se for meditar não coloque alho e cebola na receita abaixo.

Sopa-creme de abóbora japonesa

1/2 abóbora japonesa (cabotia) com casca
1/2 caixinha de creme de leite
1/2 cebola (opcional para quem não vai meditar)
azeite o quanto baste
sal o quanto baste
noz moscada o quanto baste

Eu costumo cozinhar no vapor os cubos de abóbora japonesa com casca, mas sei que assá-los também dá bem certo, até que fiquem macios completamente. Bater no liquidificador com água para viabilizar o processo até que se obtenha um creme bem espesso e homogêneo. Em panela separada refogar a cebola em um fio de azeite, acrescentar a abóbora e manter no fogo até aquecer completamente, quando se verte para a mistura original o creme de leite pasteurizado,  sal e noz moscada moída na hora. O creme de leite é indispensável pois, além de agregar sabor e cremosidade, acerta a cor da sopa que, sem ele, fica verde-escuro muito estranho. Ao final acrescentar mais água e ajustar sal e noz moscada, caso o creme fique espesso demais. Servir com um fio de azeite por cima. O resultado é muito bom.

Ontem, 13 de agosto, comemos em casa o creme de abóbora com casca acompanhado de pequenas torradas de pão integral e lascas de queijo gorgonzola.

Bolo e flor de maracujá. saudade e poesia.



Essa receita segundo uma anotação que não é minha em meu caderno de receitas é atribuída à duas pessoas: minha prima W. e uma amiga de Ribeirão Preto, S., sendo que, na verdade, só me lembro desta última como a origem desse bolo de maracujá, que tem fiéis admiradores e consumidores na minha casa, inclusive eu. 

O maracujá é uma fruta multifuncional, de sabor marcante e agradável, pois vai do suco ao bolo, passando por caldas e musses doces, e molhos salgados excelentes para acompanhar peixes,  mas são as lembranças da amizade e gratidão que sinto por S. e seu marido E., que nunca mais pude ver pessoalmente mas que foram bons companheiros de escola waldorf  e bons amigos com os quais celebrei o natal do ano de 2002 (eu acho), assim como também a poesia de Catulo da Paixão Cearense, que eu encontro no perfume desse bolo que assei nesta última segunda-feira, e todas as vezes que faço. Saudade e poesia combinam, dão-se bem, assim como o maracujá e quase tudo o que se coloca ao lado dele no fogo e na mesa.  


"A Flor do Maracujá

Encontrando-me com um sertanejo perto de um pé de maracujá eu lhe perguntei:  Diga-me caro sertanejo  porque razão nasce roxa  a flor do maracujá?

Ah, pois então eu lhi conto a estória que ouvi contá, a razão pro que nasci roxa  a flor do maracujá.

Maracujá já foi branco, eu posso inté lhe ajurá, mais branco qui caridadi, mais brando do que o luá, quando a flor brotava nele lá pros cunfim do sertão. Maracujá parecia  um ninho de argodão.

Mais um dia, há muito tempo, num meis que inté num mi alembro, si foi maio, si foi junho, si foi janero ou dezembro, nosso sinhô Jesus Cristo  foi condenado a morrer numa cruis crucificado, longe daqui como o quê.

Pregaro cristo a martelo e ao vê tamanha crueza  a natureza inteirinha  pois-se a chorá di tristeza.

Chorava us campu, as foia, as ribera, sabiá também chorava nos gaio da laranjera.

E havia junto da cruis um pé de maracujá carregadinho de flor, aos pé de nosso sinhô.

E o sangue de Jesus Cristo, sangui pisado de dô, nus pé du maracujá tingia todas as flor.

Eis aqui seu moço a estoria que eu vi contá,a  razão proque nasce roxa  a flor do maracujá." 

(Catulo da Paixão Cearense)

Para fazer o bolo comece batendo claras em neve com uma pitadinha de sal para garantir o resultado e, separadamente, as gemas peneiradas, o açúcar e a manteiga até que clareiem, formem um creme espesso e dobrem de volume. Incorporar ao creme de gemas, sem bater, a polpa de maracujá, que eu utilizo com sementes tanto para a massa quanto para a calda. Em seguida acrescentar, agora batendo, a farinha de trigo também peneirada previamente e, ao final, incorporar delicadamente, novamente sem bater, as claras em neve e o fermento químico em pó. Levar ao forno a 180 graus em forma de aro, untada e polvilhada com farinha de trigo, por aproximadamente 40 a 45 minutos. Faça o teste do palito para checar quando a cocção está completa.

Fazer uma calda rala com a fervura de polpa de maracujá e açúcar que deve ser derramada sobre o bolo ainda quente, mas não imediatamente após sair do forno pois nesse caso não conseguirão desenformar sem quebrar, ou seja, tire do forno, aguarde o bolo mornar, desenforme, e torne a calda por cima.

Receita:

Para o bolo:
2 xícaras de chá de polpa de maracujá (natural)
2 xícaras de chá de farinha de trigo
2 xícaras de chá de açúcar refinado
4 ovos (claras e gemas separadas)
100 gramas de manteiga
1 colher de sopa (de mãe) de fermento químico

Para a calda:
1 xícara de chá polpa de maracujá (natural)
1/2 xícara de chá de açúcar refinado

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Ainda amigos, homenagens e muito capricho: torta de abobrinha e delícias de maçã.



Final de semana passado mais um amigo, novamente do meu filho D., aportou diretamente da cidade de Botucatu para a mooca. No caso uma amiga, ex-colega de classe no ensino médio, filha de amigos que deixei por lá. Gente muito boa.

Posso até estar errado, mas sempre olho com admiração, com muito respeito, para pais cujos filhos apresentam-se formidáveis, como é o caso dessa família cuja filha mais velha esteve conosco este último fim de semana. Os 3 meninos, minha hóspede e os dois irmãos mais novos, são amáveis, extremamente gentis e receptivos, respeitosos e inteligentes, talentosos e simpáticos e, acima de tudo, generosos. Guardo essa família no meu coração e sempre estarão na minha lista de amigos, sempre, e para eles, os pais, quero dizer: vocês fizeram um bom trabalho e estão entregando ao mundo gente de primeiríssima linha: jovens preocupados e atuantes no mundo em que vivem e ajudam a construir.

Para homenagear essa amiga no almoço de domingo, cujo planejamento era uma simples massa à bolognesa, fiz ainda uma torta de abobrinha e uma sobremesa chamada delícias de maçã, ambas quase novidades, pois a torta, embora a massa já me seja velha conhecida, a forma como preparei o recheio foi uma inovação e a sobremesa de fato nunca havia feito, apesar de o creme também fazer parte de uma receita que já repeti dezenas de vezes.

250 gramas de farinha de trigo, 150 gramas de manteiga, 1 ovo inteiro pequeno e 1 pitada de sal. Esses os ingredientes da massa, suficiente para uma torta (base e cobertura), em forma de aproximadamente 25 cm de diâmetro. Se usarmos uma forma maior, a massa deverá ser aberta mais fina, mas também dá bom resultado. Sendo bastante amanteigada, a massa é fácil de incorporar. O ovo realmente deve ser pequeno e o processo e resultado ficam muito melhores se, depois de preparada, a massa descansar por mais ou menos 1 hora na geladeira, ou até menos, devidamente coberta com filme plástico. Essa massa eu uso com vários recheios e certa feita, em Botucatu, os pais da sala da minha filha L. fizeram 80 (oitenta) delas, com recheios diversos, que foram vendidas para levantar fundos para uma viagem escolar. Deu bem certo.

Já havia feito essa torta com recheio à base de abobrinha, mas utilizando fatias assadas com azeite e orégano, intercaladas com fatias de queijo fresco, mas isso quando eu morava no interior e tinha à disposição queijos frescos caseiros ou de laticínios orgânicos. Como em São Paulo todos os queijos frescos que eu compro parecem isopor (aspecto e paladar), resolvi fazer assim: refogada uma cebola grande picada com 2 dentes de alho em azeite de oliva, acrescentei 3 (três) abobrinhas italianas médias raladas no ralo grosso (a abobrinha caipira também vai bem) e, em seguida, 2 tomates picados sem sementes. Não deixei mais do que 5 minutos no fogo alto, quando acrescentei requeijão cremoso (250 g) e meia caixinha de creme de leite pasteurizado. Feito isso desliguei, salguei o quanto precisou e deixei esfriar. Frio o recheio, abri a massa, montei a torta e levei ao forno médio por aproximadamente 40 minutos, até que dourou, depois de pincelar a torta com gema batida de 1 ovo. Gostei do resultado: recheio cremoso, abobrinhas ainda sem desmanchar e tomates pedaçudos. Ficou bom.

Para as delícias de maçã eu preparei um creme de confeiteiro com 250 ml de leite, 1/2 colher de sopa de farinha de trigo, 1/2 colher de sopa amigo de milho, 2 colheres de açúcar refinado, baunilha e 4 (quatro) gemas de ovos peneiradas. Os ingredientes devem ser misturados frios, antes de serem levados ao fogo portanto, especialmente o leite, a farinha, amido, e os ovos. Como sobra somente o açúcar e baunilha para acrescentar depois, eu já os coloco também antes de tudo ir ao fogo, que deve ser baixo. Uma vez no fogo eu mexo todo o tempo, até engrossar, sendo que o "fuê", nesse caso, é mágico: nunca forma pelotas no creme.

Retirei o cabinho  e o "miolinho" de 8 (oito) maças pequenas/médias, criando uma cavidade no meio. Enchi com o creme e, sobre este, coloquei uma farofa doce feita com 6 unidades de cookies picados de baunilha com gotas de chocolate, 2 colheres rasas de sopa de açúcar mascavo, 1 colher de sobremesa de manteiga e umas 10 unidades de damasco seco picados. Creio ser possível colocar qualquer outra espécie de  fruta seca e castanhas também. Reguei com mel cada uma das maçãs e levei ao forno médio por aproximadanente 30 minutos. Servi empratada, com mais creme e farofa doce. Ficaram muito bonitas e bem boas também, mas acho que um pouco secas. Da próxima vez, para servir, eu abrirei as maçãs, fazendo 2 cortes centrais de forma a restarem 4 partes e regarei com mais um pouco de mel. Penso que vai ficar mais úmida a sobremesa. 

Amigos merecem realmente nossa melhor consideração. Não encontro forma mais adequada, não para mim, de demonstrar meu apreço pelas pessoas que me são caras do que a de preparar para elas uma refeição simples e bem feita, ainda que seja um arroz com feijão ou uma massa ao sugo. Fico muito feliz quando tenho perto de mim meus amigos, mais antigos ou mais novos, cujos vínculos eu tento cuidar como cozinho: com capricho.

Receitas

Torta de Abobrinha

Massa:
250 gramas de farinha de trigo
150 gramas de manteiga
1 ovo pequeno
1 pitada de sal

Recheio:
3 abobrinhas italianas médias
1 cebola grande
2 tomates picados
2 dentes de alho
250 g de requeijão cremoso
1/2 caixinha de creme de leite
azeite o quanto baste
sal o quanto baste
1 gema de ovo

Delícias de Maçã

8 maçãs médias
mel o suficiente

Creme de Confeiteiro
250 ml de leite
1/2 colher de sopa de farinha de trigo
1/2 colher de sopa de amido de milho
2 colheres de sopa de açúcar refinado
4 gemas de ovos
1 colher de café de essência de baunilha

Farofa Doce
6 unidades de cookies de baunilha com gotas de chocolate
1 colher de sobremesa de manteiga
2 colheres de sopa (rasas) de açúcar mascavo
10 unidades de damasco seco

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Salada de berinjela cozida com hortelã fresco, pimenta calabresa e alho cru. Eu faria quarta, mas não fiz. Os riscos da cozinha.



As 5 berinjelas médias estão na geladeira de casa. Planejei preparar para um jantarzinho na quarta próxima-passada, antes-de-ontem, mas extraordinariamente acabei me atrasando no trabalho e cheguei em casa na hora que eu mesmo marquei para o tal jantar. O jeito foi pedir pizza, o que eu fiz sem demora, pois a fome era muita e o tempo nenhum.

Não sou uma pessoa dada a correr riscos, pelo prazer em si de arriscar, que definitivamente não sinto. Até pela minha formação acadêmico-profissional, formatei meu pensamento para antecipadamente dimensionar riscos e, só depois e com base neles, decidir. Enfim, um bom advogado é o cara que de fato raciocina preventivamente, evitando contingências aos seus clientes, sempre por intermédio do mapeamento e dimensionamento de riscos. Mesmo na cozinha não sou muito arrojado, mas sim cauteloso nas invenções e novidades, até porque minha cozinha preferida é a rústica, de tacho, antiga e ancestral, desusada, como diria Cora Coralina, cozinha rural e cozinha imigrante, mas é um risco que eu corro quando repito receitas de muito sucesso, especialmente aquelas elaboradas por grandes cozinheiros/as, como é o caso da maioria das "mamas moquenses", quase sempre de famílias italianas e algumas portuguesas e espanholas. Essa salada é um exemplo. Eu começei  a fazer há alguns anos depois de tê-la comido na casa da mãe de um amigo que recentemente experimentou e a elogiou, a querida Dona M.

As berinjelas são matéria-prima rica para receitas aqui da mooca, quase todas trazidas da Itália pelos nossos antepassados e pelo menos minha avó materna fazia uma meia dúzia de tipos diferentes que, um dia, ainda ensino por aqui. Hoje vou falar da salada da Dona M., que de tão simples é sensacional, diferente das tradicionais com pimentão, uvas passas e castanhas, que também são bem gostosas.

Nessa salada as berinjelas vão sem casca mas, para não escurecerem, eu descasco, fatio e coloco para cozinhar uma a uma. As fatias devem ser muito finas, o máximo que puder fazer na faca, ou com mandolin mas tomando cuidado para não rasgarem (é importante que as fatias fiquem finas porém inteiras) e são produzidas a partir das metades já descascadas ou ainda de apenas 1/4. A cocção deve ser feita imediatamente após a obtenção das fatias, em pouquíssima água, sempre limpa, razão pela qual eu coloco duas panelas no fogo: uma apenas para água em abundância e outra para as pequenas porções onde serão cozidas as berinjelas e que receberá nova porção de água fervendo a cada término de cocção que deve ser bem rápida. Cozidas as berinjelas devem ser levadas a uma peneira para escorrer o excesso de líquido que ficou, até que realmente pare de verter líquido. Nunca experimentei cozinhar as berinjelas no valor, mas penso que deve dar certo.

O resultado é que as fatias ficam clarinhas, algumas chegam a ficar verdinhas, mas o segredo é trocar a água de cada cozimento pois, ao serem cozidas, as berinjelas soltam um líquidos escuro que as tinge, se o cozimento for longo ou repetido na mesma água.

Escorridas as fatias de berinjelas devem ser temperadas com parcimônia, com exceção do hortelã fresco que pode ser usado em abundância, para que os temperos não dominem completamente o sabor da berinjela que, feita desse jeito, fica bem suave. Hortelã fresco, azeite, sal, alho crú e pimenta calabresa seca, ou malagueta sem sementes e em tirinhas fininhas. Para quem curte um pouco de acidez, um pouquinho de vinagre de vinho fica melhor do que limão (já experimentei os 2). Essa salada idealmente deve ser preparada de véspera, ou temperada pelo menos umas 6 (seis) horas antes de servir, para que os temperos liberem aromas e sabores, harmonizando-se naturalmente. O alho eu coloco 1 dente picadinho e nunca mais que isso pois não quero o sabor dele na salada, mas apenas a sua função de facilitar a permanência alongada dos outros sabores.

Eu sirvo preferencialmente com pão italiano ou, sem eu não o tiver, com outro  de boa qualidade.

Quem quiser arriscar e fazer de outro jeito, com outros temperos, outro processo, eu apoio e experimento se alguém me convidar.

Receita

4 berinjelas médias
1 maço pequeno de hortelã fresco
azeite o quanto baste
sal o quanto baste
1 dente de alho
pimenta calabreza o quanto baste
vinagre de vinho tinto o quanto baste


quarta-feira, 31 de julho de 2013

Idas e vindas, escolhas, dúvidas e bolinhos de carne moída, empadão goiano e quenga. Primeira parte.



Ontem à noite fiz bolinho de carne moída; uma coisinha simples que aprendi recentemente, nos tempos em que minha filha foi recebida, quando chegou a São Paulo no início do ano passado, para uma temporada na casa da minha prima, onde comeu esse bolinho feito pela minha tia R., até que eu tivesse uma casa para recebê-la, o que só aconteceu em março do mesmo ano, período que, segundo o meu olhar, coroou um longo processo de partidas e retornos e recomeços e buscas e tentativas, algumas que eu persisto em indagar, diante de mim mesmo, se fizeram, faziam ou fazem algum sentido.

Na época em que fui casado andei um pouco por aí e levei a prole junto. Minhas andanças começaram em 1993, por força de um convite de trabalho e motivado inicialmente apenas pela oportunidade de ascensão profissional. Apoiado pela então companheira "subi o São Francisco", com ela e o Diogo, como eu costumo dizer, numa metáfora errante, e cheguei em Goiás, onde passei 2 (dois) anos, na primeira etapa. De lá retornei a São Paulo, em 1995, onde na oportunidade permaneci aproximadamente 2 (dois) anos, quando a Lígia nasceu e, em 1998,  subi de novo o São Francisco, desta feita para desembarcar em Ribeirão Preto, onde fiquei até final de 2004, nessa oportunidade já motivados por viver em um contexto que nos permitisse a escola waldorf para o Diogo e em resposta a um bom convite profissional. O ano de 2005 foi marcado por um desastroso retorno a Goiás, totalmente pressionado pelo desemprego e ausência de oportunidades em Ribeirão, desastroso em todos os sentidos: contrariedade pessoal em voltar, casamento falindo, afastamento da escola waldorf e da antroposofia, impacto da escola convencional, empresa em crise. Desse tempo uma das poucas boas lembranças é o empadão goiano que aprendi a fazer com minha amiga N., advogada de Goiânia que atualmente vive em Porto Alegre, um verdadeiro manjar dos deuses do cerrado, e que um dia eu faço e ensino por aqui.   

Inaugurei 2006 em Botucatu para onde fomos em uma atitude arriscada, sem trabalho, em busca da viabilidade na continuidade da escola waldorf nas vidas dos nossos filhos, impactados negativamente pela tentativa de uma escola convencional nessa nossa segunda estada em Goiás. Em Botucatu estive até retornar a São Paulo, já separado definitivamente, em meados de 2010 e de onde não pretendo sair, embora os filhos ainda tenham lá permanecido até o final de 2011. De Botucatu tenho doces e amargas recordações, todas misturadas, como devem ser, imagino, as lembranças de todos os tempos, em qualquer lugar, de qualquer pessoa.

Eu conto essas idas e vindas tendo por base o núcleo familiar. Nesse período último em Botucatu, sem a transferência da família, eu  ainda trabalhei novamente em Ribeirão e por 2 longos anos na região de São José do Rio Preto, mais precisamente em uma cidadezinha chamada Orindiúva, na barreira do Rio Grande (lado São Paulo). Lá eles comem uma prato chamado "quenga", à base de milho e frango, uma espécie de angú que eu ainda vou ensinar e, em Rio Preto, como em São Paulo a gente encontra coxinha em qualquer bar, encontra-se bolinho de carne com massa de mandioca. Tenho muitas memórias de coisas que eu comi por essas minhas andanças, como por exemplo a melhor ambrosia que já provei na vida, digna de comer rezando, em uma fazenda do amigo de um amigo, A., na cidade de Piracanjuba, "estadão" de Goiás.

Os bolinhos eu fiz ontem para um simples jantar em casa do qual participou um amigo do meu filho Diogo, de Botucatu, recém formado tecnólogo em construção naval e que partiu, na madrugada de hoje, para Manaus, iniciando sua vida profissional, e a estória se repete na vida de todos nós, com a ida desse amigo para um local tão distante, deixando pais, irmãos e amigos, resultado de uma escolha. Fez um pit stop em casa ontem. Enquanto eu fiz o bolinho conversamos os 3 sobre as vantagens da ida dele para |Manaus, sobre oportunidades profissionais fora dos grandes centros, sobre a vida e tomamos caipirinha.

Aproximadamente 900 gramas de carne moída duas vezes, refogada com bastante cebola apenas, em óleo neutro, sem sal inicialmente, e salgado somente no final, para soltar um pouco de sua umidade que eu aproveito, no mesmo momento em que junto azeitonas verdes picadas. Uma vez refogada a carne acrescento, em fogo baixo, para essa quantidade, 2 colheres bem cheias de farinha de trigo e deixo cozinhar rapidamente, uns 5 a 7 minutos, resultando em algo parecido com recheio de pastel cujas carnes não ficam caindo do pastel, mas sim cremoso. Desligo e acrescento ovos e salsinha ambos bem picadinhos. Deixo esfriar. Boleio a carne em forma de croquetes grandes, passo por ovos batidos e salgados e por farinha de rosca, em um processo de empanamento, sendo que quase sempre prefiro a farinha de pão.

Frito rapidamente em óleo abundante, já que todos os ingredientes já estão cozidos. Na verdade esse bolinho é ideal para reaproveitar aquela carne moída que sobrou na geladeira. Minha filha pediu semana passada. Ela adora. Servi com salada de mandioquinha cozida e bastante salsinha picada e brócolis no vapor, arroz e feijão.

Tenho dúvidas sobre os acertos e erros das minhas escolhas mas situações como essa, em que um amigo se despede de São Paulo jantando conosco, um amigo feito em Botucatu, onde eu amarguei momentos pessoais muito difíceis, me fazem ao menos saber que valeu a pena ter ido, ter voltado, ter feito escolhas pouco seguras, pouco convencionais. Em cada uma das estações dessas viagens fiz amigos e a existência deles me sinaliza que a escolha não poderia ter sido outra. Meus filhos e seu processo de formação escolar também me trazem a mesma certeza pois a escola waldorf que foi o principal motivo de nossas idas e vindas ainda me fala como a única em que eu confio para uma formação realmente humana e integral de uma criança.

Ainda vou fazer novamente o empadão goiano e a quenga. 

Espero que nosso amigo I. tenha sucesso em sua nova jornada e também faça amigos, como eu fiz.