sexta-feira, 12 de julho de 2013

Papel marchê, fusion de vidro, a morte, o mosaico. O que há de comum nisso tudo? O meu processo de preparação da massa e da cola.

Ainda falando sobre minhas experiências com o papel marchê, as duas primeiras peças, quais sejam a fruteira e o suporte para lamparinas coloridas, cujas fotos eu pedi ao meu filho para tirar e me mandar, o que eu espero ele faça hoje, eu fiz com jornal e cola branca. Ontem eu continuei, mas preparei em casa uma cola de farinha que, se alguém quiser eu passo a receita in box. Colocado o papel picado em imersão na água é preciso aguardar 24 h para que ele encharque. Feito isso o papel deve ser batido com água no liquidificador, amassado com as mãos para que o excesso de água seja retirado e depois misturado com a cola.

Fiquei pensando que no papel marchê, assim como o mosaico e o fusion, este último em alguns casos, o material primordial utilizado deve ser destruído para depois ser usado como princípio de uma nova construção. Papéis, azulejos, porcelanas, cerâmicas, vidros, são despedaçados pelas mãos do artesão, destruindo sua forma original, mão essas que, depois, manuseiam os destroços que se transformam em matéria primordial de uma nova forma, um novo gesto. O papel vira boneco, fruteira e gamela. A xícara e o azulejo viram flores e imagens de santos em painéis feitos de cacos colados e as garrafas se transformam em vasos,com nova transparência e novas cores.

A morte na vida humana, aqui considerada o fim, a ruptura dos vínculos, hábitos, práticas, de crenças e convicções, de encontros e objetivos, também é uma oportunidade para transformar, criar uma nova vida, mas não a partir do nada, mas sim daquilo que a alma humana guardou das experiências findas. O artesão não molda um vaso sem o vidro quebrado, um boneco sem o papel esmagado, um São Matheus sem os azulejos feitos em cacos.

A memória faz o homem iniciar um novo trabalho a partir das imagens e dos saberes do antigo, um amor novo carregando as vivências dos que passaramu, um hábito mais saudável com o aprendizado guardado nas lembranças dos anteriores. A memória é um instrumento da consciência humana (e houve tempo no processo evolutivo humano em que ele não tinha memória) e serve para que esse homem, indivíduo, dentre outras funções, esteja sempre presente em si mesmo e em suas ações. Assim, não há futuro benfazejo que não honre o passado, se bem consciente o homem de si mesmo e suas vivências crísticas.

Eu me curvo diante do papel picado e esmagado, diante do azulejo e da xícara quebrados, como me curvo diante do meu próprio passado também feito em cacos e que me permite construir um futuro amoroso. Há quem no processo de picar papel, quebrar azulejos, extirpar vínculos e interromper práticas o faça sem nenhuma dor, sendo que outros choram. Há os fazem até com prazer e muitos só o fazem com o único objetivo de, cansados do jornal e da xícara velha, que não serve mais, encontrar uma nova forma de ser servido por um novo trabalho, um mosaico, uma gamela, sem curvar-se na hora de esmagar o papel ou quebrar a xícara diante deles que se sacrificam.

O ceramista japonês agradece o tempo inteiro o barro utilizado para moldar o chauam que conterá no futuro o chá cerimonial, assim como os praticantes o próprio ceramista. A memória não nos permite, de fato, esquecer completamente as folhas de jornais destruídas ou as xícaras quebradas. Tanto melhor se soubermos bem disso.

Ontem fiz cola de farinha para preparar a massa que utilizei para moldar as peças que hoje estão secando. Me pareceu que a massa ficou mais homogênea, mais lisa do que a preparada com cola branca e, ao que tudo indica, o endurecimento da peça terá o mesmo grau das preparadas com massa de cola branca. A cola preparada em casa barateia bastante a peça e é preparada com ingredientes orgânicos (farinha de trigo, água e vinagre e não tem embalagem plástica para descartar). Quando as peças que eu fiz ontem secarem totalmente eu confirmo e divulgo minha impressão de que o resultado é tão bom quanto as feitas com cola branca.

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